segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Verdades e mentiras sobre roubo de água na Amazônia

Fonte: Portal Amazônia 11/02/2015

A preocupação com a hidropirataria, ou roubo de águas, dos rios da Amazônia tem gerado discussões; saiba mais
Navio cargueiro aportado no Brasil. Foto: Divulgação/PAC

MANAUS – A crise hídrica na região Sudeste suscita discussões, entre as quais, sobre a soberania do País em relação a água. Um dos assuntos que ganha força nas redes sociais diz respeito à hidropirataria, o roubo de água por navios estrangeiros na Amazônia. O Portal Amazôniaprocurou a Agência Nacional de Águas (ANA) e mostra abaixo o que é fato e o que é boato sobre o tema. Confira:
Navios estrangeiros roubam água dos rios da Amazônia?
Roubar não seria a palavra correta. Navios estrangeiros captam, sim, água dos rios da região. Só que a intenção não é furtar. As embarcações acomodam o líquido precioso em tanques nos seus porões como água de lastro. Quando um navio tanque ou graneleiro, por exemplo, desembarca a carga ele precisa compensar a perda de peso para ter estabilidade e navegar com segurança. E encher estes compartimentos com água confere essa estabilidade. 
Segundo o analista da Agência Nacional de Águas (ANA), Antônio Félix Domingos, a prática não é ilegal e não configura roubo. “Não temos notícia fundamentada de roubo de água. Existe a captação de água de lastro de navio, mas esta prática é legal e regulada por norma internacional”, destaca. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o uso da água de lastro faz parte dos procedimentos operacionais usuais do transporte aquaviário moderno, sendo fundamental para a sua segurança. “Através da sua utilização planejada, é possível controlar o calado e a estabilidade do navio, de forma a manter as tensões estruturais do casco dentro de limites seguros”, diz o site da agência. A captação e descarte ocorrem em todo Mundo, principalmente em áreas portuárias.
A prática é tratada com muita atenção, pois é através dela que bioinvasores como o mexilhão dourado chegam a todos os continentes. Esta, sim, é uma preocupação real. 
É verdade que essa água retirada é vendida em outros países?
“Esta afirmação carece de uma condição fundamental: viabilidade econômica. Os custos de frete não compensam levar água de navio nem para nossa ilha de Fernando de Noronha, localizada a 545 quilômetros da costa do Estado de Pernambuco. Lá, foi instalado um dessalinizador. Os custos de dessalinização caem ano após ano com novas tecnologias. Cidades como Barcelona, na Espanha, produzem grandes volumes de água a partir de sua água marinha”, esclarece o analista da ANA.
A dessalinização é a retirada do sal das águas salobras do subsolo. Países como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Japão investem pesado em usinas de dessalinização. Segundo entidades internacionais, o metro cúbico da água dessalinizada custa entre US$ 0,50 e US$ 1. No Brasil, a usina pioneira é a de Fernando de Noronha, onde a água tirada diretamente do mar. Outras unidades estão sendo instaladas nos estados da Bahia, Ceará, Sergipe, Alagoas, Piauí, Pernambuco e Minas Gerais. As obras já começaram no Rio Grande do Norte e na Paraíba. O Governo Federal possui o Programa Água Doce, uma iniciativa para recuperar, implantar e gerir 1.200 sistemas de dessalinização até 2016 com investimentos de R$ 235 milhões. O objetivo do programa é atender 2.947 comunidades rurais em 232 municípios apontados como os mais críticos do semiárido em levantamento realizado em 2013 e 2014.
Sistema de dessalinização financiado pelo Governo Federal. Foto: Divulgação/PAD
Há registros de captação ilegal de água nos rios da Amazônia?
Na primeira década dos anos 2000 a hidropirataria tomou a Internet. Muito se especulava sobre o roubo de águas do rio Amazonas e o tema acabou chegando a Brasília. Em junho de 2010, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para discutir o assunto. O evento teve a presença de representantes do Ministério da Defesa, Ministério do Meio Ambiente, Polícia Federal e ANA.
De acordo com as notas taquigráficas disponíveis no site da Casa, todos foram unânimes em afirmar que não existiam provas concretas da prática. “Procuramos verificar isso profissionalmente amiúde e, até o presente momento, não conseguimos constatar que essas reportagens estejam corretas. Ou seja, nós não verificamos a veracidade dessas informações”, disse o Contra-Almirante do Comando de Operações Navais do Ministério da Defesa, Antônio Dias. “As operações de lastro e deslastro [despejo de água] realizadas por certos navios que trafegam na região amazônica não podem ser confundidas com ações relacionadas a furtos de água”, completou.
O analista da ANA, Antônio Félix Domingos, esteve nesta reunião. “Estou dizendo isso porque nós fizemos uma verificação e não encontramos nenhuma denúncia formal sobre esse assunto no Conselho Nacional de Recursos Hídricos. E o Ministério do Meio Ambiente também não recepcionou. Mas, caso houvesse, o Conselho [Estadual de Águas] obviamente faria toda a análise e a reportaria aos órgãos que tratam desse assunto”, disse na ocasião. E ainda hoje, Domingos afirma que a ANA não tem notícias fundamentadas sobre o roubo de água, o que acontece é o procedimento legal de captação de água de lastro.
De onde surgiram os boatos?
A audiência pública realizada na Câmara dos Deputados foi provocada por matérias veiculadas na Internet, mas nunca foi provado. Os órgãos fiscalizadores garantiram, na época, nunca terem recebido nenhuma denúncia. “São essas coisas que povoam o imaginário popular, chamam a atenção, dão mídia e permite bravatas nacionalistas”, diz Antônio. “E os problemas reais estão aí: esgoto sem tratamento, desperdício de água e gente sem água. Felizmente, faz alguns anos que o assunto saiu da mídia, e estamos podendo discutir temas reais de escassez, poluição e desperdício”, acrescenta.
Um dia a Amazônia pode sofrer com o 'roubo de água'?
Dificilmente. Os custos com transporte não compensam. “Não vejo possibilidade. Por que roubar uma coisa, ter custos imensos com transporte, se eu posso comprar uma tonelada de água tratada no Porto por US$ 1 ou US$ 2?”, diz Domingos. “Ou ainda, eu gastaria mais alguns dólares para levar esta água para algum lugar com carência, como os países árabes, ou Israel? Acontece que lá custa 55 centavos de dólar para produzir esta tonelada de água. E Israel já produz mais de 10 mil litros de água por segundo”, destaca.
Se os relatos fossem reais, quais prejuízos a captação ilegal de água nos nossos rios traria a Amazônia?

O rio Amazonas, o maior do mundo, tem vazão de mais de 100 mil metros cúbicos (m³) por segundo. É bastante água. “Precisaríamos de alguns milhares de navios captando água ao mesmo tempo para ter efeito ambiental”, finaliza Domingos.

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