segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Ideia de político (Transposição das águas do Rio Amazonas)

Fonte: Agenda Amazônica de Lucio Flavio Pinto 11/02/2015



O rio Amazonas despeja no Oceano Atlântico 230 milhões de litros de água por segundo, em média. Bastaria a vazão de menos de uma hora para encher todo o sistema Cantareira, o principal manancial de água de São Paulo, a grande cidade mais afetada pela atual estiagem no Brasil. O reservatório tem capacidade para pouco menos de um trilhão de litros de água.
Logo, transferir água do mais extenso e caudaloso rio do planeta para o sul do país não causaria nenhum problema. A transposição seria de uma fração da sua descarga, que representa 8% de toda a água superficial doce da Terra, que, como todos sabem, também é uma fração da água total, quase toda ela nos oceanos e mares.
A ideia da transferência, apresentada pelo governador do Amazonas, José Melo, só pode ser levada a sério para provar que não deve ser levada a sério. Ela esbarra em dois problemas. Um, é o custo. Provavelmente sairia mais barato dessalinizar a água do mar, o que dá uma ideia do quanto seria preciso investir em três mil quilômetros (ou mais) desse aqueduto ou canais.
O outro problema é técnico. Se as companhias de água não garantem a qualidade do produto que bombeiam por alguns quilômetros, como dariam conta do desafio dessa imensa linha? Já imaginou quantas subestações seria preciso construir, com fabulosa potência para bombear a água por tão longa distância? E a estação de tratamento para tornar potável a água carregada de sedimentos do Amazonas, mesmo que só fosse necessário decantá-la?
Deixando de lado essa ideia de político, proponho a quem se interessou pelo assunto pensar na seguinte alternativa: a gestão dos rios aéreos, a massa de água armazenada, processada e lançada à atmosfera pela floresta amazônica, que quase equivale ao total da descarga do Amazonas no mar.
Quantos bilhões e meio de reais teriam que ser realmente aplicados nessa transposição de água? Certamente muito mais do que os quase 9 bilhões previstos para os pouco mais de 700 quilômetros do São Francisco, projeto inicialmente concebido para custar três vezes menos.
Uma parcela desse dinheiro seria mais bem utilizada para criar os mananciais florestais de água. Os Estados mais prejudicados pela estiagem ou que estivessem dispostos a se beneficiar da transferência natural de água pelas nuvens que migram da Amazônia para o sul, formariam um fundo, que a União complementaria.
Esse dinheiro seria usado para comprar áreas degradadas pelo desmatamento na Amazônia, nas quais seriam criadas florestas de serviços ecológicos. Sua única finalidade seria a de manter o processo natural se retenção da água vinda do oceano e de evapotranspiração dos maciços florestais, garantindo as correntes de umidade para as áreas carentes do outro lado do Brasil.
Seria um projeto de longo prazo, que exigiria a formação de pessoal qualificado para atuar em campo e na retaguarda, a criação de uma polícia especializada (como a Polícia Montada do Canadá), para reprimir e combater grileiros e madeireiros, e uma estrutura administrativa refratária a ingerências políticas e corpção.
O projeto pode até não dar certo num país como o nosso, mas não parece tão estapafúrdia quanto a ideia do governador amazonense, que está causando preocupação a quem devia estar tratando de questões mais reais ou urgentes. Ou mais assentadas no plano da terra.

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