segunda-feira, 9 de outubro de 2017

A mandioca é o cheiro de Belém no Círio de Nazaré (PA), por Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés de Souza Modesto Júnior

Fonte: EcoDebate 09/10/2017

Além de cultura, a mandioca é sinônimo de emprego, renda e segurança alimentar aos paraenses.


[EcoDebate] Não há cultura mais tradicional no Brasil e mais ligada à vida do paraense que a mandioca. Principalmente neste momento que antecede o Círio de Nazaré, no segundo domingo de outubro. No município de Acará, maior produtor de mandioca do Brasil, distante 33 quilômetros da capital paraense, mais especificamente no ramal da Samaumeira, a movimentação de agricultores familiares da Vila do Açu é grande na colheita de raízes e folhas de mandioca, para venda nas feiras livres da região metropolitana de Belém (PA).
As raízes serão trituradas e espremidas para retirada do tucupi, um líquido amarelo usado na preparação do tradicional pato no molho do tucupi. As folhas, ricas em proteína, são moídas e cozidas para serem usadas na preparação da maniçoba. Ambos são pratos tradicionais da culinária paraense.
Esses agricultores da Vila do Açu se preparam com um ano de antecedência, plantando mandioca da variedade Ouro Preto, de polpa bem amarela, “cor de ouro”, rica em carotenóides, específica para a produção do tucupi. Neste período, que antecede o Círio de Nazaré, a demanda é elevada e a cotação da raiz de mandioca de polpa amarela é a mais alta, quando os agricultores conseguem preço acima de R$1 mil por tonelada de raiz.
Fora desta época, o preço médio varia de R$550 a R$650 a tonelada. Os agricultores também comercializam as folhas cruas da mandioca ao preço de R$1 por quilograma, no entanto, nas feiras livres de Belém as folhas são trituradas e comercializadas cruas ou pré-cozidas a preços que variam de R$ 3 a R$ 5 o pacote com um quilo para o consumidor final, respectivamente. O tucupi é vendido em média a R$ 5 por litro.
Na semana que antecede o Círio de Nazaré entram na cidade junto com os romeiros, milhares de caminhões e barcos carregados de sacos de farinha e folhas de mandioca, para o abastecimento de feiras livres e supermercados. É o produto de origem agrícola comercializado, em maior volume, na Ceasa de Belém.
O estado do Pará é o maior produtor de mandioca do Brasil, com 4,8 milhões de toneladas de raízes, em 2015, correspondendo a 21% da produção nacional. Neste ano, estimou-se que a cultura da mandioca gerou mais de 200 mil ocupações no meio rural e cerca de 95 mil pessoas trabalhando nas casas de farinha, que são agroindústrias que funcionam no estado, na informalidade com estruturas produtivas instaladas no meio rural, que processam, pelo método artesanal ou semi-mecanizado, as raízes de mandioca para produção de farinha de mesa.
Nas feiras livres de Belém, a farinha é vendida na forma de litro e, portanto, os feirantes convertem, na venda, um saco de 60 kg em 85 litros de farinha. Pagam ao intermediário R$ 200 pelo saco e vendem o litro, no varejo, ao preço médio de R$ 5 auferindo uma margem de lucro de R$ 225 por saco. Alguns feirantes vendem de cinco a sete sacos de farinha por semana, produtos originários dos municípios de Castanhal, Santa Maria do Pará e São Miguel do Guamá. Segundo depoimentos obtidos de pessoas que trabalham na feira da Travessa 25 de Setembro, uma das mais tradicionais da cidade, mais de 60 feirantes vivem da venda de farinha e outros produtos derivados da mandioca.
Estes indicadores revelam a importância econômica e social da cultura da mandioca, no contexto da geração de emprego, renda e segurança alimentar, considerando a existência de centenas de feiras livres na região metropolitana de Belém e municípios do interior do estado do Pará, em que são comercializadas farinha e demais derivados da mandioca.
Outra feirante, natural do município de Cametá, vive da venda de tucupi, também na feira da Travessa 25 de Setembro. Durante a época do Círio de Nazaré, chega a vender até 1.500 litros de tucupi ao preço de R$ 5, enquanto fora deste período, vende em média 25 litros por dia. Ela paga R$50 a R$70 por saco de mandioca, que lhe rende em média 70 litros de tucupi.
Em 2017, no Círio de Nazaré, são esperados mais de 1,5 milhões de peregrinos e milhares de turistas visitarão a cidade de Belém. Além de acompanharem as procissões terrestres e fluviais, terão como atrações turísticas a Estação das Docas, Casa das 11 Janelas, Catedral da Sé e Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, Mangal das Garças, Museu Goeldi, Bosque Rodrigues Alves e outros.
Tudo isso, degustando as delícias da culinária paraense como a maniçoba, o pato no tucupi, o tacacá, o caruru, a tapioquinha e diversos tipos de sorvetes com sabores de frutas regionais da Amazônia, tais como: bacuri, cupuaçu, açaí, muruci, taperebá, uxí e também o sorvete de farinha de tapioca.
Os agricultores familiares devem ser reconhecidos como verdadeiros protagonistas desta grandiosa festa popular e religiosa que é o Círio de Nazaré, por sua tradição milenar e pela influência de sua cultura na culinária paraense, culminando com estas delícias que são o cheiro de Belém na semana do Círio de Nazaré: a maniçoba, o tacacá e o pato no tucupi. Vale a pena conferir, com as bênçãos de Nossa Senhora de Nazaré.

números da mandioca

Raimundo Nonato Brabo Alves – Eng. Agr. M.SC em Fitotecnia, Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, e-mail: raimundo.brabo-alves@embrapa.br
Moisés de Souza Modesto Júnior – Eng. Agr. Especialista em Marketing e Agronegócio, Analista da Embrapa Amazônia Oriental, e-mail: moises.modesto@embrapa.br.

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Produção de comidas típicas movimenta a agricultura e a economia no Círio de Nazaré, artigo de Alfredo Homma

 Fonte: EcoDebate 04/10/2017

Pesquisa estima produção agrícola de ingredientes típicos para atender o consumo no almoço do Círio.
Belém do Pará, na época do Círio, o inconfundível aroma do pato-no-tucupi, maniçoba e tacacá espalham-se pelos quatro quadrantes da cidade. Patrick Süskind, autor do best seller “Perfume”, lançado em 1985, que criou o personagem Jean-Baptiste Grenouille, com a capacidade de criar aromas que transmitiam atração, menosprezo, nojo, prazer, amor e ódio, não teria um cenário mais apropriado do que Belém para a sua transfiguração.
A inexistência de dados estatísticos não limita a tecer algumas especulações quanto ao consumo de jambu, tucupi e de aves (frango, pato, peru e chester), no domingo do Círio, para avaliar o volume de negócios e a importância que um maior planejamento poderia representar para a agricultura regional. O chef-de-cuisine Paulo Martins (1946-2010), no seu magnífico vídeo “Cozinha Paraense”, estabelece a relação de 1 pato para três litros de tucupi e três maços de jambu. Com estes índices pode-se especular quanto a quantidade destes ingredientes consumidos por ocasião da festividade do Círio de Nazaré.
A estimativa da Diretoria da Festa de Nazaré e do Dieese/PA é que mais de dois milhões de pessoas acompanharam o Círio 2016. Considerando que 20% desses romeiros iriam consumir o tradicional pato no tucupi no almoço daria 400 mil pessoas. Outra pressuposição é que 5 pessoas consumiriam o equivalente a um pato. Dessa forma teríamos um consumo de 80 mil patos, 240 mil litros de tucupi (12 caminhões tanque com capacidade de 20 mil litros) e 240 mil maços de jambu.
Para atender este consumo seriam necessários 5 hectares de canteiros de jambu e de 27 hectares de mandioca para a extração de tucupi para ser consumida em apenas um dia. Significa geração de renda e emprego para pequenos produtores localizados na zona Bragantina e, principalmente, nos municípios de Santo Antônio do Tauá e Santa Izabel do Pará, com destaque na produção de jambu.
Creio que muitas pessoas devem ter questionado, ao saborear essas iguarias paraenses, quem foi o descobridor de que as folhas de jambu, o tucupi ou as folhas venenosas da mandioca cozida poderiam ser aproveitadas? O mesmo vale para a farinha de mandioca proveniente de uma raiz mortal. Não existe invenção maior do que a farinha de mandioca. Segundo o ditado popular “aumenta o pouco, esfria o quente, engrossa o ralo e alimenta a gente”. Prático para armazenar, transportar, pronto para consumir, entre outras vantagens. Moldou a civilização brasileira e mundial e vem despertando o interesse dos grandes empresários no seu cultivo mecanizado.
Devemos aos indígenas da Amazônia a descoberta do jambu e do tucupi que foram combinadas com o saber dos escravos africanos no aproveitamento das folhas de mandioca cozida, criando a nossa feijoada verde.
A expansão do cultivo do jambu enseja, portanto, algumas lições importantes para o desenvolvimento regional. No momento, fica-se discutindo muito sobre a biodiversidade amazônica como algo mágico que vai salvar a região. O exemplo do jambu mostra a importância que devemos dar para os recursos da biodiversidade, à medida em que são domesticados e aqueles que já são cultivados. O uso tradicional do jambu foi ampliado como ingrediente de pizzas, coxinhas, arroz, cachaça, licor, cosméticos, fármacos, entre outros.
Devemos avançar na pesquisa sobre usos mais nobres do jambu (cosméticos, fármacos, etc.) nos quais muitas patentes estão sendo registradas nos países desenvolvidos. Constituindo-se em uma planta com possibilidades de atrair a indústria farmacêutica e cosmética mundial ou como uma hortaliça exótica, torna-se questionável tópicos sobre a legislação de acesso a biodiversidade que não estimula empresários a investirem visando a sua verticalização. O jambu já está sendo cultivado em São Paulo e em diversos países como a China, Índia e Japão.
Finalizando, o jambu que estimulou as papilas gustativas dos gastrônomos mais experimentados, poderiam trazer novos mercados para esse produto. Reforça-se a ideia de que a criação de um parque produtivo local e a sua verticalização como importantes para o desenvolvimento de uma agricultura amazônica baseado em produtos da sua biodiversidade.
Alfredo Homma – pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental