segunda-feira, 17 de maio de 2010

Shoppings são a nova etapa no crescimento da Amazônia

Shoppings são a nova etapa no crescimento da Amazônia
Fonte: Valor Econômico
Data do documento: 13/05/2010

Até agora, a marcha da civilização na floresta amazônica seguia um padrão previsível. Madeireiros abriam caminho para criadores de gado, que abriam caminho para agricultores.
Agora o próximo passo é o shopping center.
Até poucas décadas atrás, muitos cientistas acreditavam que a Amazônia mal podia ser habitada.
Hoje, pelo menos cinco cidades na Amazônia brasileira têm população acima de 300.000 habitantes, um marco fundamental para as cadeias nacionais de varejo. Até o fim do ano que vem, quatro das cinco maiores cidades terão grandes shoppings como os que se veem no Rio e em São Paulo, com grandes claraboias e praças de alimentação ancoradas por lojas McDonald's. Incorporadores estão considerando projetos em três outras.

O projeto mais recente foi iniciado em março em Rio Branco, a longínqua capital acreana perto de onde Chico Mendes foi assassinado em 1988. Os construtores foram encorajados por um novo que deu certo a coisa de 500 quilômetros ao leste, em Porto Velho. Gente de Rio Branco estava encarando a viagem de seis horas para fazer compras lá. Construtores de shoppings estão de olho até em Macapá, a única capital brasileira que não está ligada ao resto do país por rodovias e onde um segundo centro de compras, o Amapá Garden Shopping, está previsto para ser inaugurado em 2011.
A proliferação de shoppings na região amazônica é um marco da reviravolta econômica numa das últimas fronteiras do mundo. Uma moderna economia de consumo está lançando raízes na região cuja imagem para muitas pessoas ainda é de floresta densa e rios cheios de piranhas, com clareiras desflorestadas.
Terça-feira, o IBGE divulgou que as vendas do varejo em Rondônia subiram 31,7% nos 12 meses encerrados em março, a segunda taxa mais alta do país e o dobro da média nacional. No Acre, as vendas subiram 31,5%.
A alta do consumo na Amazônia destaca o escopo do boom da economia doméstica no Brasil.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem despejado dinheiro na região, num esforço para aumentar os padrões das classes mais pobres. Para os consumidores, há o Bolsa Família. Para empresas, há empréstimos subsidiádos do Banco da Amazônia, do governo federal. Projetos de hidrelétricas geram empregos e investimentos. Populações urbanas cresceram com pessoas em busca de empregos e serviços do governo.
O desenvolvimento da Amazônia também muda o jogo para ambientalistas. Os habitantes das cidades da região agora têm mais influência para demandar estradas, usinas de eletricidade e outros projetos. Isso ajuda a explicar por que a superverde ministra Marina Silva foi substituída em 2008 por Carlos Minc, mis aberto ao desenvolvimento. Como os shoppings estão sendo construídos em terrenos que foram desflorestados décadas atrás, os ambientalistas não se opuseram aos projetos. Militantes verdes locais dizem que sua meta é canalizar o inevitável crescimento econômico para atividades que não requeiram a derrubada de mais árvores.
"A chegada dos shopping centers é parte de uma tendência mundial", diz Jorge Viana, um senador e líder ambientalista de Rio Branco. "Nosso maior desafio é criar um modelo de desenvolvimento econômico sustentável que inclua as pessoas que vivem na floresta."
Claro que a imensa Amazônia ainda é na maior parte floresta e não vai virar um centro de compras tão cedo. Desde 1991, a população na parte brasileira da floresta subiu 48%, segundo a Conservation International, uma organização ambientalista sem fins lucrativos de Washington. Mas, com menos de 20 milhões de pessoas, segundo a entidade, mais ou menos o mesmo da Grande São Paulo, ainda é bastante esparsa.
Ainda assim, há poder de compra suficiente na Amazônia agora para atrair investidores internacionais. A Ivanhoe Cambridge, do Canadá, uma das maiores construtoras de shoppings do mundo, é sócia no projeto do Porto Velho Shopping. Fundos de pensão americanos investiram no Via Verde, de Rio Branco. Em 2007, a carioca BRmalls, da qual o bilionário americano Sam Zell tem participação, comprou uma fatia do shopping mais antigo da região, o Amazonas Shopping, em Manaus.
Em Porto Velho, o novo shopping mudou a paisagem, a economia e os hábitos sociais da cidade. A população da capital inchou nas últimas décadas, e a cidade agora está bombando. Trabalhadores de construção civil e engenheiros não param de chegar para construir duas hidrelétricas, Jirau e Santo Antônio, que valem bilhões de dólares.
Uma estrutura que parece uma caixa bege num pátio de asfalto, o Porto Velho Shopping é um contraste com o resto da cidade, que ainda é um mescla caótica de prédios velhos e ruas esburacadas.
O centro de compras é de longe a maior estrutura com ar-condicionado num raio de centenas de quilômetros, o que faz dele um oásis no calor amazônico. Isso basta para fazer dele o principal destino de lazer do Estado.
"O shopping é praticamente a única coisa pra fazer em todo o Estado", disse Aira Queiroz, uma estudante de 18 anos que viajou 200quilômetros desde Ariquemes para tomar um sorvete e fazer compras no shopping num sábado do mês passado. "Não tem nada pra fazer na minha cidade."
Em torno dela, cenas típicas das grandes capitais se desenrolam.
A praça de alimentação fervia com burburinhos. Um elevador de vidro despejava cinéfilos num cineplex de cinco salas que tem uma tela 3D. Há até ratos de shopping amazônicos. Adolescentes, alguns com cabelo tingido de preto caindo sobre um olho, circulavam pelos corredores procurando o que fazer. Seguranças uniformizados estavam de olho.
Mas ainda há lembretes de que tudo se passava na fronteira amazônica. O McDonald's não tinha batatas fritas. O caminhão de entrega estava atrasado em algum ponto entre São Paulo e Porto Velho. A funcionária do mês do shopping ganhou por ter trabalhado extra quando metade de sua equipe pegou dengue.
Duas meninas indígenas que participavam de uma excursão ao shopping promovida por missionárias pareciam estudar a escada rolante de uma distância segura. O shopping tem a primeira escada do tipo no Estado e muita gente fazia fila para andar pela primeira vez. Após uma aproximação cautelosa, as garotas seguraram as mãos e entraram nela. Uma subiu facilmente.
A outra deixou um pé no chão e outro na escada até que a distância crescente a forçou a entrar com tudo.
As mudanças não são apenas sociais. O shopping criou muita concorrência para os varejistas locais, que se viram obrigados a melhorar o serviço e baixar os preços, alterando a maneira como vinham fazendo negócio.
Cerca de 50 redes nacionais, como as Lojas Americanas, abriram no shopping a primeira filial no Acre. A concorrência forçou algumas lojas do centro a fechar as portas e forçou outras a evoluir para sobreviver.
Um exemplo é a Divas, uma butique de roupas administrada por um ex-executivo do setor de eletrodomésticos, Vilmarque João, e a mulher. O negócio foi motivado pela frustração da mulher com a falta de lojas que vendem roupas da moda em Porto Velho. Ela e as amigas começaram alguns anos atrás a juntar os recursos para que uma delas pudesse viajar a São Paulo para trazer de lá os últimos estilos.
Logo todos ficaram sabendo da iniciativa e os pedidos de outras mulheres com as mesmas reclamações começaram a chegar. O casal abandonou os eletrodomésticos e abriu uma loja de roupas no centro, onde prosperaram por seis anos. Eles se mudaram para o shopping quando ele abriu, cientes de que o comércio no centro ia ser esvaziado.
Mas de repente várias franquias nacionais de roupas vieram oferecer suas calças jeans de grife a poucos passos da Divas, no shopping.
Para sobreviver, os João baixaram em 43% o preço de seus jeans da marca Carmim, para R$ 389. A concorrência dos novos estilos forçou a loja a encomendar roupas por via aérea de São Paulo para entrega no dia seguinte.
Para concorrer com as redes nacionais, a Divas contratou mais vendedores e investiu no treinamento deles. Os preços menores da Divas e os custos mais altos diminuíram a margem de lucro de 50% na loja do centro para 12% no shopping. Mas os lucros continuam maiores: em vez de centenas, agora são milhares de pessoas que visitam a loja diariamente.
João suspeita que o ambiente do shopping impulsionou o consumismo local.
"O shopping é o único lugar de Porto Velho em que todas as classes sociais se misturam num espaço aberto, em pé de igualdade", diz. "A classe média ganha uma chance de ver o que os ricos estão usando, e aí querem sair para comprar."
A ideia de construir shoppings na Amazônia não é nova. O governo militar havia vislumbrado uma rede de cidades prósperas na região. Ele construiu estradas e distribuiu terras e subsídios para pioneiros a desbravarem.
Quando os planos fracassaram, o resultado foi mais pobreza e violência numa terra de ninguém.
Mas a economia da Amazônia está mudando. Os agricultores e pecuaristas da região experimentaram novos fertilizantes, tipos de grama e outras tecnologia e aprenderam a extrair mais lucros da terra. Novas estradas hoje ligam cidades que estavam isoladas, criando mercados locais. Algumas rodovias entram pelos países vizinhos, aumentando o comércio.
O mercado de consumo na Amazônia atingiu massa crítica tão rápido que surpreendeu até especialistas. Cinco anos atrás, quando Dorival Regini, diretor-presidente da incorporadora carioca de shoppings LGR, começou a considerar Rio Branco, ele tinha dúvidas.
Em sua cabeça, Rio Branco era um rincão sem lei na fronteira da Amazônia. Chico Mendes e Hildebrando Pascoal compunham sua imagem do lugar.
Mas dados mostravam um aumento da população e da renda, e Regini mandou um analista, que a princípio também estava duvidando. "Quando ele chegou lá, ligou e disse: 'Eu tenho de ficar mais uns dias; acho que podemos fazer isso'", disse Regini.
(John Lyons, The Wall Street Journal, de Rio Branco, Acre)

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