quarta-feira, 2 de abril de 2014

Despedida de Lúcio Flávio Pinto do Yahoo


Registro aqui a perda de mais um importante espaço dedicado a discussão da Amazônia em mídia nacional., através de um interlocutor local privilegiado pelo acúmulo do conhecimento do tema ao longo de toda a sua trajetória profissional coroada de êxitos e reconhecimento.
Trata-se do fim da coluna de artigos do Lúcio Flavio Pinto no sítio do Yahoo chamado de Cartas da Amazônia.
Talvez pelas atribulações diárias do seu dia a dia profissional, aliada a luta constante contra os processos judiciais que lhe tentam calar a voz, o se sítio próprio com a transcrição do seu "Jornal Pessoal" não é atualizada desde setembro do ano passado. Uma pena pois deixa seus leitores/admiradores de fora de Belém, onde o jornal é impresso, com poucas chances de acessarem seus interessantes textos, que sempre trazem uma visão diferenciada do senso comum das grandes mídias sobre a situação regional.
Transcrevo abaixo o último artigo do sítio do Yahoo:

Vai-se a flor, fica o perfume


Por  | Cartas da Amazônia – sáb, 29 de mar de 2014
Não só pelo total de 13 integrantes e cobertura territorial plena, a sucursal seria inovadora por outro elemento: ela teria direito a enviar matérias em texto final para São Paulo, que respeitaria esse conteúdo. A sede podia definir a forma de aproveitamento e corrigir eventuais erros de redação das matérias, mas não mudá-las.

Talvez assim se conseguisse corrigir o enfoque exótico do tratamento aos complexos temas amazônicos e ajudar a nação a se conscientizar da grandeza e peculiaridade da sua maior fronteira, ocupando mais da metade do território nacional. Tinha em mente um episódio, de 1971.
Eu estava em Belém. Fui acionado pela redação paulistana, no meio da noite, a ir até Cruzeiro do Sul, no Acre, para transmitir de lá, se possível, foto de um avião que se acidentara, matando o bispo local. Respondi que talvez em dois dias eu conseguisse a proeza, se tivesse sorte em duas viagens de avião, percorrendo mais de dois mil quilômetros. “Ah, é tão longe assim? Deixa pra lá”, corrigiu-se o meu interlocutor, se apressando a desligar sem dizer mais nada. Provavelmente um repórter chegaria primeiro ao acidente saindo de São Paulo mesmo.
Infelizmente a experiência da sucursal regional não durou muito. Nunca mais a grande imprensa nacional tentou algo parecido. Desde então a Amazônia tem se tornado questão de crescente interesse mundial, mas a cobertura da mídia brasileira só se empobreceu. A prioridade à Amazônia é retórica. O Brasil não conhece de fato essa terra – vasta e devastada. Talvez não venha a conhecê-la jamais. Perdendo progressivamente a sua floresta, a Amazônia é cada vez menos amazônica a cada ano.
Desde 1987 edito um pequeno jornal alternativo em Belém do Pará que encara com seriedade uma frase do poeta William Blake: “Quando o jornal se cala, é o povo que se cala”. É um espaço reservado à Amazônia real, sem desvios e incompreensões coloniais, sem cinismo e selvageria. Também me empenho em abrir frestas na mídia nacional, como consegui alguns anos atrás, por meio da agência de notícias do mesmo O Estado de S. Paulo, graças à sensibilidade, visão de futuro e generosidade de Rodrigo Mesquita, sobrinho do “doutor Júlio”, que avalizou minha utopia de quatro décadas atrás.
Outro espaço valioso foi este aqui, que me foi aberto pela direção do Yahoo e, em particular, por Michel Blanco, autor do convite para que eu escrevesse estas cartas amazônicas. A coluna chega agora ao seu fim, cumprindo sua missão, à maneira do grande poeta e compositor maranhense João do Vale: “A minha flor/ o vento pode levar,/ mas o meu perfume/ fica morando no ar”.
Obrigado, caríssimos cidadãos que me leram, com apoios e críticas, endossos e repúdios. Assim se faz a democracia. Assim se propaga o perfume da verdade pelo ar.
Até outra, a próxima.

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