quarta-feira, 16 de abril de 2014

Reflorestar é preciso

Fonte: Operação Amazônia Nativa
Por: Ximena Morales Leiva
Engajados, mobilizados e motivados, indígenas da TI Caititu mergulham nos sistemas agroflorestais e começam a mudar seu modo de produzir.
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Ana Lúcia em ação no roçado
Foto de Foto Ximena Morales Leiva/OPAN

Lábrea, AM - Para enfrentar um cenário de crescente destruição ambiental no sul do Amazonas, emerge a implantação de sistemas agroflorestais para recompor áreas degradadas pelas queimadas, derrubadas de árvores e posterior adoção de monocultivos e pastagens. Cientes das ameaças às quais estão expostos, os Apurinã da Terra Indígena (TI) Caititu lançaram mão de técnicas inovadoras ao dedicaram-se, durante cinco dias, ao plantio de canteiros florestais em quatro aldeias.
Por meio do resgate de sua forma de cultivar a terra, reavivando o trabalho em mutirão e, ao mesmo tempo, apropriando-se de técnicas vindas de fora da terra indígena, um grupo de Apurinã das comunidades Novo Paraíso, Nova Esperança 2, Tucumã e Idecorá abraçaram os Sistemas Agroflorestais Sucessionais (SAF) incentivados pelo Projeto Raízes do Purus, uma iniciativa da Operação Amazônia Nativa (OPAN) com patrocínio da Petrobras através do Programa Petrobras Ambiental. Por meio de oficinas, os indígenas tiveram contato com técnicas desenvolvidas pelo agricultor e pesquisador Ernst Götsch, que em 1984 se instalou no Sul da Bahia em um local antes denominado “Fazenda Fugidos da Terra Seca”, hoje conhecido como a “Fazenda Olhos D´Água”.
Em 30 anos de cuidados com a terra, dedicação e muitas pesquisas efetuadas por este pioneiro suíço, a Mata Atlântica ressurgiu com todas as suas características de flora e fauna, chegando até a propiciar o ressurgimento de cerca de 14 nascentes na área recuperada.
De volta ao sul do Amazonas, durante os dois anos de discussões que levaram à confecção do Diagnóstico Territorial da TI Caititu, os Apurinã apontaram  necessidade de garantir melhoria alimentar  com produtos de qualidade, nutritivos e naturais, primordiais para a saúde do povo.   
Magno de Lima dos Santos, indigenista da OPAN e técnico agroflorestal, relembra que já na construção do diagnóstico territorial as demandas dos Apurinã eram melhorar a produção familiar. Mas segundo eles, isso só era possível com a utilização de maquinários e adubação química, pois suas áreas de cultivo estão muito degradadas,  o que impossibilita a construção dos roçados. “Aos poucos os indígenas foram tendo contato com a filosofia de plantio e manejo que foca na multiplicação da biodiversidade da fauna, flora e conservação das nascentes”,  destaca Santos.
Foram, então, promovidos debates e dois intercâmbios: um para o munícipio de Boca do Acre, promovido pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IIEB) e outro na TI Kampa do Rio Amônia e no Centro  Yorenka Ãtame, no Acre, em novembro deste ano.
“A área dos Ashaninka era bastante degradada e hoje está toda reflorestada. Muito rica a terra deles. O nosso caso é o mesmo e o propósito de ter ido lá foi aprender a como recuperar o nosso solo que está fraco e ácido devido ao ataque do furão e que acaba destruindo a batata, a macaxeira e a mandioca”, pontua Valdir Pereira Lima, da aldeia Idecorá.
Mãos na terra
No começo de dezembro, um grupo de 50 pessoas, entre Apurinã e alunos das disciplinas de Florestas e Agropecuária do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas (IFAM) se dirigiram para a aldeia Nova Esperança 2 para fazer os primeiros três canteiros florestais. Ana Lúcia Pereira Lima, da aldeia Idecorá, anotou todo o passo-a-passo para posicionar as mudas e as sementes no roçado, quais são as plantas dos estratos baixo, médio, alto e intermediário, como afofar o solo sem revolver os horizontes para evitar que se perca a camada fértil que o cobre, como proteger o solo com cobertura vegetal para que sejam criadas condições adequadas de temperatura e umidade para as plantas se desenvolverem.  Outra técnica utilizada foi a introdução de abacaxi e leguminosas para o controle da acidez nas áreas dos plantios.
No quarto dia de atividades, quando o grupo chegou a sua aldeia, Ana não descansou um minuto sequer, mergulhou de cabeça nos canteiros e aplicou todo o conhecimento compartilhado pelo produtor rural Eloir Bernardon, do Grupo Semente, movimento de Chapada dos Guimarães (MT), que foi até Lábrea a convite da OPAN repassar o que aprendeu em 11 anos de prática agroflorestal com Götsch. 
“Antes de o projeto começar, era cada um cuidando de seu roçado. Em grupo o trabalho rendeu bastante e foi bem proveitoso. Eu nunca tinha trabalhado com essa técnica e fiquei surpreendida com a forma de se plantar a macaxeira e a bananeira. Tenho certeza absoluta de que os nossos roçados vão dar certo”, diz otimista a guerreira apurinã.
Bernardon, que já trabalhou com os Bororo, Umutina e Xavante de Mato Grosso, destaca que são necessários de 100 a 400 anos para se formar um centímetro de terra preta, onde ficam localizados todos os nutrientes do solo. “Ao lançar mão de canteiros florestais você conquista a formação de três centímetros por ano.” Outro dado relevante é que ao usar o manejo agroflorestal em 40 anos é possível formar uma área bem florestada. Sem o uso dessa técnica, leva-se um século para alcançar o mesmo resultado.
Ter tido condições de participar dos plantios do começo ao fim foi ótimo segundo Pedro Antônio Gomes de Assis, da aldeia Nova Esperança 2. “A cada dia que passava fomos evoluindo e pegando experiência. Daqui a um a dois anos vamos ter comida na aldeia e mais saúde. Dessa forma vamos ficar mais na nossa terra e não vamos precisar ficar saindo toda hora para comprar alimentos. Não tem dinheiro que pague o tanto que estamos evoluindo e aprendendo.”
Referência entre seu povo, Dona Maria dos Anjos Nogueira Apurinã, esposa do cacique Marcelino Apurinã, da aldeia Novo Paraíso, marcou presença todos os dias nos canteiros e mesmo com a pressão alta enfrentou o inclemente sol amazonense. Empunhou sua enxada e seu terçado para dar o exemplo aos mais jovens. “Com o mutirão poderemos ter mais prosperidade. Um roçado que leva 15 dias para você abrir sozinha, com a ajuda de todos dá pra fazer em um ou dois dias. Se cada um ficar olhando só para si não se constrói nada”, vaticina a liderança das mulheres do povo Apurinã.

Há 25 anos Dona Maria se instalou na TI Caititu com sua família e desde então tem se dedicado ao cultivo agroflorestal. “Só que eu não sabia que o que eu fazia levava esse nome. Acontece que eu misturava tudo, não conhecia essa técnica de fazer a fileira, a carreira para posicionar as sementes e as mudas.” O farto e bem cuidado roçado da casa da líder indígena é um prelúdio do que está acontecendo na TI Caititu.

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