terça-feira, 19 de junho de 2012

“Solução para a crise está no empreendedorismo social”


Empreendedorismo social, uma idéia que precisa ser mais divulgada e assumida, para que possa provocar mudanças no modelo ultracompetitivo e obsessivo que vivemos atualmente. 


Fonte: Brasil Econômico 19/06/12 
Bancos tradicionais iam em busca dos ricos. Eu decidi ir atrás dos pobres.
Bancos tradicionais iam em busca dos ricos. Eu decidi ir atrás dos pobres.
Muhammad Yunus defende que novo modelo de negócio deve estar focado em propósito, não só no dinheiro.
Somente na adoção em grande escala do empreendedorismo social, com a criação de empresas que tenham como propósito a solução de problemas, está a saída para que o mundo supere as dificuldades hoje impostas pelo sistema econômico e financeiro em vigor.
A proposta, do economista e banqueiro Muhammad Yunus, seria a única solução viável para ultrapassar um modelo que está próximo de seu limite, segundo ele. "Havia uma época em que esse sistema não funcionava para os países pobres, mas agora também não funciona para os ricos", disse Yunus ao Brasil Econômico durante The New York Forum Africa, realizado em Libreville, capital do Gabão.
Ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006 pelas ações para a redução da pobreza em seu país, Bangladesh, Yunus foi o responsável pela criação do Banco Grameen, pioneiro na distribuição de microcrédito à população.
Como o senhor descreve o fato de ser um dos únicos banqueiros que atravessaram as crises financeiras sem risco de prejuízo?
Depois de 35 anos, quando olhamos ao redor do mundo, vemos que os bancos não mudaram. Em 2008, mesmo com o sistema financeiro quase em colapso, nós não tivemos problemas no Banco Grameen.
Eu vejo que há um equívoco de interpretação do sistema como um todo que precisa ser modificado.
O ser humano não precisa estar voltado completamente a ganhar dinheiro. Por que fazer do dinheiro uma obsessão? Ele pode estar ligado a um propósito.

Como foi o processo para, na década de 1970, criar um banco que permitisse 
tirar pessoas da pobreza?

Bangladesh tem 150 milhões de pessoas. Não dá para imaginar a quantidade de problemas que temos no nosso país. É tanta coisa que muitos vivem em situação de desespero.
E, quando se está desesperado, você não consegue simplesmente seguir regras. É preciso, aliás, fugir delas. E isso muitas vezes oferece oportunidades para a criatividade.
Eu não tinha a intenção de criar um banco ou qualquer coisa do tipo. O que eu tentei fazer foi solucionar o problema de algumas pessoas que viviam em uma pequena vila em meu país. Eu pensei que eles não deveriam sofrer tanto, que eu poderia até emprestar dinheiro do meu próprio bolso.
E como chegou ao formato do Banco Grameen?
O mais incrível foi que, no momento em que eu pensei em propor a criação de um banco, o banco praticamente caiu do céu.
Eu achava que emprestar dinheiro para quem tem dinheiro não fazia sentido e que emprestar para quem não tinha era a coisa certa a ser feita. Conseguimos parceiros e eu me ofereci para ser o garantidor dos empréstimos para aquelas pessoas.
O senhor desenvolveu um sistema que foi replicado em todas as partes do mundo.
Veja, quando você está desesperado, é mais fácil suas ideias surgirem. Como eu precisava de um procedimento, olhei para os bancos convencionais para observar como eles funcionavam.
Aí eu passei a fazer o contrário do que eles faziam. E funcionou! Eles iam em busca dos ricos. Eu decidi ir atrás dos pobres.
O Grameen é o único banco no mundo que é livre de advogados. E funciona. Não temos marketing. Não fizemos divulgação. Mas a necessidade das pessoas falou mais alto.
Quais outras medidas foram adotadas?
Os bancos tradicionais emprestam para os homens. Nós decidimos emprestar para as mulheres.
Nos bancos convencionais, as pessoas vão até as agências para fazer negócios.Nós invertemos isso: passamos a ir até as pessoas.
Hoje no Banco Grameem temos registro de 8,5 milhões de pessoas que pediram empréstimo, das quais 97% são mulheres. Os próprios depósitos correspondem ao dinheiro utilizado para ser emprestado às pessoas.
O senhor já liderou vários outros projetos para desenvolver empresas com base em propósitos sociais.
Cada vez que eu via um problema, eu pensava na criação de um empreendimento para permitir que aquele problema fosse solucionado. Eu criei mais de 30 empresas porque há muitos problemas para serem resolvidos em Bangladesh.
Se você usa seu dinheiro para resolver problemas, ele volta para você, e aí é possível reinvestir em outras coisas, criando-se, assim, uma engrenagem que se autoalimenta.
Uma das empresas que criei foi relacionada ao meio ambiente, para fornecimento de energia solar porque 70% das pessoas em Bangladesh não tinham eletricidade. Hoje temos cerca de 1 milhão de painéis solares.
Depois disso, empresas internacionais vieram nos procurar para serem parceiras.
Quais outras iniciativas nasceram dessa maneira?
Empreendedorismo social está relacionado com cobrir os custos operacionais e reinvestir em outros projetos. Havia um problema de subnutrição das crianças.
Nós desenvolvemos um tipo de iogurte com mais nutrientes que custasse pouco. Temos joint ventures com Danone e outras empresas para isso.
Outro exemplo: as pessoas não tinham sapatos. Criamos condições para fabricá-los. Cada problema pode ser solucionado com uma iniciativa. E isso tem a ver com ideias criativas e não com dinheiro. Além disso, é muito fácil se multiplicar.
Trata-se de um problema local, com solução local, a partir de criatividade local. Tudo isso junto pode mudar o mundo. 
Cláudia Bredarioli   (cbredarioli@brasileconomico.com.br) | De Libreville (Gabão) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário