Um interessante artigo apresentado no sítio Desenvolvimentistas onde não foi citado o autor, contando a história de Delmiro Gouveia.
Fiquei tentando lembrar o nome de algum empreendedor parecido na história da Amazônia. Não consegui nenhum de memória. Só recordo dos grandes empresários ou empresas que aqui chegaram vindo de outras bandas com a finalida de extrair os recursos dessa terra de enclaves que tiveram personagens como Percival Farquhar da Madeira Mamore e Porto de Belém subvencionados pelo Estado, Daniel Ludowig no Jari, Octávio Lacombe em Presidente Figueiredo, a Ford e suas seringueiras em Belterra, A ICOMI no Amapá, a VALE, e muitas outras que aui chegam e querem explorar todos os recurso, com pouca ou nenhuma preocupação com os locais e suas necessidades como fazia Delmiro. Acredito que se houvesse o final da história seria semlhante ao do grande nordestino.
A história
de Delmiro Gouveia, quase desconhecida entre nós, é formada de todos os
ingredientes, até mesmo os românticos. Conseguindo acumular capital a partir de
um pequeno comércio de couros, Delmiro Gouveia enfrentou administrações
reacionárias e corruptas e idealizou uma espécie de milagre sertanejo que, no
âmbito de sua fábrica de linhas de coser, em Pedra, Alagoas, antecipou
conquistas sociais que até hoje não foram conseguidas pela esmagadora maioria
dos trabalhadores brasileiros.
Em um
trabalho de fôlego publicado em um dos volumes de os grandes enigmas de nossa
história, edição de 1981 da Otton Pierre Editores Ltda, o comentarista Nilson
Lage relata uma das mais insólitas realizações ocorridas em nosso país."Se
fosse nos Estados Unidos", afirma Nilson Lage, "Delmiro Gouveia teria
um busto em cada federação das indústrias, um retrato em cada Lyons Clube, um
lugar de honra na cartilha de moral e civismo da escola primária, mais ou menos
como acontece com Benjamin Franklin, Thomas Edison ou Henry Ford. Como estamos
no Brasil, falar em Delmiro Gouveia é coisa de mau gosto nos meios
empresariais, pois até para ser enredo de escola de samba (a Império da Tijuca,
no Rio de Janeiro, em 1980) foi preciso que acontecesse antes uma abertura
política". Delmiro combateu a oligarquia e foi morto pelo imperialismo.
Os
capitalistas brasileiros costumam compor-se com as oligarquias e têm mantido
pactos com o imperialismo. A luta de Delmiro Gouveia, sua história romanceada,
está aí para denunciar absurdos no processo de desenvolvimento que se adotou no
Brasil - e do qual se nutrem os empresários estrangeiros. Por exemplo: Delmiro Gouveia
demonstrou que o atraso do Nordeste se deve menos à seca, que pouco prejudicou
seus negócios no ano de 1915, época em que se registrou a maior seca do
Nordeste, do que ao atraso das relações sociais na região, com suas derivações
na incompetência administrativa, no compadrio e na brutal desigualdade na
distribuição da riqueza e dos investimentos. A biografia desse homem é,
portanto, uma heresia em relação às idéias oficialmente sustentadas. O regime
que esse homem implantou em sua fábrica de Pedra é também o contrário daquele
que a Sudene (Superintência de Desenvolvimento do Nordeste) incentivou.
Na sua
fábrica, Delmiro utilizava matérias-primas da economia local, empregava grandes
contingentes de mão-de-obra e reinvestia ao máximo na própria região. Nada de
fábricas automa-tizadas, com o mínimo de empregados, sustentadas à custa de
incentivos fiscais com matérias-primas trazidas de longe e lucros rapidamente
transferidos para os bancos do Rio de Janeiro e de São Paulo, quando não eram
enviados aos bancos de Nova Iorque e Londres.O modelo de progresso representado
pela pequena hidréletrica no rio São Francisco, que Delmiro Gouveia não teve
tempo de ampliar, pela sua fábrica de linhas de coser e até mesmo pelo mercado
Derby em Recife, uma antecipação dos shopping centers contemporâneos e que foi
incendiado criminosamente, todos esses empreendimentos envolvem a preocupação
constante de eliminar intermediários e atravessadores que tanto encarecem a
circulação de produtos no Brasil, mas que tantas fortunas têm gerado em nosso
país. Em região de poder aquisitivo baixo, ele conseguia boas margens de lucro,
vendendo mais barato produtos de consumo de massa.
O Nordeste
com que Delmiro sonhava teria os dentes tratados, a barriga forrada e seria
pobre, mas decente. O sertão nordestino ainda hoje é desdentado, faminto e
miserável. Por isso é que se diz que quando o truste da Machine Cotton comprou
dos herdeiros a fábrica de Pedra e atirou suas máquinas no fundo do rio São
Francisco estava prestando um serviço tanto a si mesmo - presevando um
monopólio de mercado, quanto aos interessados em conservar o espetáculo das
dores nodestinas pontilhadas de "ince-lenças". São essas dores, tão
folclóricas e de tão grande intensidade dramática, o principal argumento com
que os poderosos do lugar estendem a mão à caridade do governo federal para
enfiar no bolso a quota maior das esmolas.Delmiro Gouveia foi assassinado em
1917.
Antes, a
Machine Cotton vinha aumentando a pressão, ora oferecendo-se para comprar a
fábrica, ora registrando como suas, nos países da América Latina, marcas
tradicionais das linhas nordestinas. O sucessor de Delmiro na firma, o sócio
Lionelo Iona, suspendeu o projeto de ampliação da usina hidré-letrica e deu fim
desconhecido aos dois mil teares encomendados para a fábrica de tecidos, sonho
de Delmiro nos seus últimos meses de vida. A indústria ficou restrita às linhas
de coser.Delmiro Gouveia providenciara em disposição testamentária para que
seus herdeiros não pudessem vender as ações de fábrica antes de completarem
trinta anos.
Mas o jovem
Noé Gouveia, filho mais velho de Delmiro, mostrando-se mais interessado em
passear no seu automóvel novo pelas ruas de Recife do que assegurar o futuro da
fábrica, permitiu que, através de uma manobra judicial, a venda afinal fosse
efetivada à Machine Cotton por um documento firmado na Escócia no dia de
finados de 1929. Esse documento é notável. Os herdeiros receberam 27 mil
libras, mas se comprometeram, entre outras coisas, "a não reentrarem no
negócio de linha". Para disfarçar, outra cláusula estipulou que a Machine
Cotton receberia o pagamento de cinco mil libras "pelos gastos que teria
para transformar a fábrica de linhas em manufatura de tecidos."O episódio
seguinte ocorreu em abril de 1930.
Os ingleses
chegaram, desmantelaram as máquinas, jogaram tudo no rio São Francisco,
quebraram à marreta tudo o que puderam e tiveram daí em diante sinal livre para
dominar o mercado. Os sonhos de Delmiro Gouveia, os nordestinos que viviam da
fábrica, os plantadores que ela forneciam o algodão seridó - quem ia se
importar com eles?Meses depois, a Revolução de 1930 chegava ao poder, vinda do
extremo Sul do país. Mas nem isso, e nada do que aconteceu depois, mudaria
substancialmente as coisas no sertão das Alagoas. grande preocupação com os
negócios não impediu que Delmiro Gouveia seguisse o caminho do pai em matéria
de amores.
Já estava separado de Iaiá quando, quarentão, apaixonou-se por uma menina, Carmélia Eulina Amaral Gusmão, filha de uma senhora chamada Ana Gusmão, amiga íntima de Segismundo Gonçalves, presidente do Estado, de partido político adversário do partido de Delmiro Gouveia. Segismundo, que, segundo a voz do povo, era pai da moça, entregou o caso à polícia com a ordem de liquidar com Delmiro. Processado e pronunciado em Juízo, teve que fugir para Alagoas. De lá, na localidade de Pedra, uma parada ferroviária que tinha cinco casas, mandou um "cabra", Vicente Moura, roubar Carmélia de seu tutor judicial. Tiveram três filhos.Em Pedra, Delmiro comprou por três contos de réis uma casa de tijolos, meia-água, e ali começou a comprar couros. Como faltava água (que vinha de longe, no trem semanal), ele construiu o açude do Desvio, no córrego Paricônia. Em 1.907, fez a barragem no Riacho de Mosquita para construir o açude de Pedra Velha.
Começava a
defla-grar a revolução industrial no mais remoto sertão. Em 1.909, Delmiro
Gouveia trouxe ao Brasil a missão Moore, americana, e fez contatos com as
firmas Bromberg, do Rio de Janeiro, e W.R. Brand & Company, de Londres, a quem
fez encomenda de projetos de eletrificação. Por essa época, Carmélia o
abandona, os amigos se preocupam. Mas o nosso herói sonha, ouvindo, à noite, o
rumor distante da cachoeira do velho São Francisco.Com a vitória das oposições
em Pernambuco, foi eleito presidente do Estado o General Emídio Dantas Barreto,
ministro da Guerra do governo Hermes da Fonseca. Aglutinando as forças
oposicionistas, Dantas Barreto promove uma luta enérgica contra as oligarquias
reacionárias que, durante anos, vinham ocupando os principais espaços políticos
e administrativos em Pernam-buco.
Delmiro
Gouveia encheu-se de entusiasmo com a vitória de Dantas Barreto, pois planejava
o aproveitamento hidrelétrico da Cachoeira de Paulo Afonso, utilizando a
energia para um grande projeto agrope-cuário e levando-a por linhas de
transmissões a todo o Nordeste.Com os demais diretores da futura Companhia
Agrofabril, o Rei do Couro, como era chamado, pediu audiência ao governador
para expor-lhe os planos de eletrificação cujos projetos ele já havia
encomendado à Missão Moore e às firmas Bromberg e W.R. Brand Company, do Rio de
Janeiro e de Londres, respectivamente. Depois de muitas explicações técnicas,
digressões sobre cavalos-vapor e quilo-watts (coisas inesperadas, na época, em
um gabinete de governo nordestino), Delmiro Gouveia pediu simplesmente autorização
para que a linha de força passasse pelo território pernambu-cano, rumo aos
centros de consumo.
O General
Dantas Barreto, que pouco entendia da matéria mas pensava que entendia muito
dos homens, respondeu, como bem disse o comentarista Nílson Lage, com a
sutileza de um elefante: - O negócio que o senhor propõe é tão vantajoso para o
Estado de Pernambuco que deve envolver alguma velhacaria!E assim não se fez o
negócio, nem saiu a grande hidrelétrica. Só 40 anos depois é que, finalmente,
seria construída a hidrelétrica de Paulo Afonso.A resistência do governo de
Pernambuco obrigou Delmiro Gouveia a uma drástica redução nos seus planos:
decidiu instalar uma pequena hidrelétrica no Salto de Angiquinhos, no lado
alagoano do Rio São Francisco, para mover as máquinas de uma fábrica de fios.
De lá
saíram as linhas de coser da afamada marca Estrela. Com a Iª Guerra Mundial,
deixaram de chegar ao Brasil as linhas de coser inglesas. Começou então a
utilização das linhas estrela, feitas do bom algodão seridó, tão fortes que a
propaganda mostrava dois gigantes musculosos puxando cada um uma das pontas do
fio sem conseguirem rompê-lo.Pedra progrediu lentamente, a princípio; de
repente explodiu. Em 1.903, quando Delmiro chegou, tinha cinco casas; em 1.912,
o número se elevara a uma dúzia. Em 1.915, ao visitá-la, Plínio Cavalcanti
deparou com um quadro impressionante, que descreveu assim: "Nunca mais se
apagará de meus olhos de excursionista deslumbrado a risonha miragem daquela
cidadezinha tão branca e limpa que, à primeira vista, julguei um grande
algodoal de capulhos alvejantes.
Tive
naquela hora a ilusão prismá-tica da Fada Morgana dos campônios húngaros e, só
depois de despertado da sonolência que me dera a paisagem monótona do agreste
nordestino, percebi ter chegado ao vergel que Delmiro Gouveia criara dentro da
brenha sanfranciscana e que sonhara transformar em Canaã de paz e trabalho.
Comovido, admirei com entusiasmo aquela estranha flor de civilização".Arno
Pearse observou com espanto as legiões de operários indo para as missas aos
domingos "mais bem vestidos que os europeus da classe média".
Oficiais, tecelães, mecânicos, torneiros, pedreiros, dezenas de operários e
operárias, que chegavam diariamente a Pedra, recrutados por todo o Nordeste, no
sertão e nas cidades, salvos da grande seca de 1.915, que secou as lavouras não
irrigadas de toda a região.
Pedra
dispunha da melhor luz elétrica do Brasil, de uma vila operária, água encanada
em todo o perímetro urbano, fábrica de gelo, jardins, telégrafo, telefone, banda
de música, cinema, tipografia, escolas para crianças e adultos. Nas calçadas,
nas tardes de domingo, as moças sentavam-se em cadeiras austríacas. À noite,
havia retreta, carrossel, cinema e dança. No último domingo do mês, nos bailes
do cassino, davam-se prêmios de 20 mil réis à jovem mais elegante em traje de
luxo e à mais elegante em traje simples. As sete ruas da cidade conheceram os
primeiros automóveis do sertão. E também o primeiro equipamento para tratamento
de esgoto, que era encanado.
Em Pedra
havia uma das maiores criações de galinhas, patos, gansos e pavões, havia
criação de porcos e de cavalos de raça: os campeões chamavam-se Rochedo,
Floresta e Itabaiana. As 258 casas de vila operária (em 1.915) tinham quatro
cômodos e na frente um alpendre largo, no estilo das construções italianas. Não
se pagava pela água ou pela luz; havia multa para quem jogasse detritos no
chão.O parque industrial ficava à distância; não se via facas de ponta nem
bebidas alcoólicas; não havia política; jamais houve ali um crime. Quando
mataram Delmiro Gouveia, em 1.917, Pedra tinha seis mil habitantes. E a
mentalidade progressista continuou ainda por algum tempo.A cidade se chama hoje
Delmiro Gouveia, e foi emancipada em 1.952. No local do chalé onde viveu
Delmiro há uma cruz e um marco.
No primeiro ano de funcionamento, a fábrica trabalhava com 800 operários, homens e mulheres, produzindo diariamente de 1.500 a 2.000 carretéis de linha. Mais tarde, o fabrico se diversificou para incluir linhas de coser mercerizadas, linhas de bordar, sedosas ou não, cordões e fitas para amarrados e outros. Quando os produtos se impuseram no mercado, a indústria passou a trabalhar com três turnos diários, o que coincidiu com o ano da grande seca de 1.915. A empresa instalou depósitos no Rio, Recife, Paraíba e Fortaleza. As primeiras exportações para a Argentina, Chile e países da área andina datam de 1.916 quando foi colocado no exterior dois mil contos de réis em mercadorias. Nesse tempo o complexo constituído pela Companhia Agrofabril e pela Iona & Companhia empregava 3.500 pessoas.
Tudo isso
ganha um sentido especial se comparado com a pobreza brutal do sertão
nordestino daquele tempo, território onde um povo admirável tentava sobreviver.
Sertão onde vigoravam as oligarquias reacionárias e estúpidas, responsáveis,
muito mais que a seca, pela miséria sem fim das populações.Às vésperas de sua
morte, Delmiro Gouveia recebeu uma proposta milionária da Machine Cotton, que
vinha insistindo na compra da sua fábrica de linhas. Havia encomendado um
projeto de uma fábrica de tecidos com dois mil teares e tinha começado a
preparar dois mil trabalhadores especializados. Pouco antes de ser assassinado,
afirmou aos amigos: "Primeiro me firmo nesta fábrica. Muita coisa vai vir
em seguida. Levarei energia elétrica por este mundo afora. Irrigarei as terras,
nosso sertão vai progredir. Abrirei estradas de rodagem acompanhando a rede de
alta tensão por Alagoas, Pernambuco e estados vizinhos.
No Nordeste
se dizia que grande homem no sertão não havia quatro, só três: Lampião, na
valentia; Padre Cícero, na grandeza de coração; e Delmiro, no trabalho.Na noite
de 10 de outubro de 1.917, como era seu costume, Delmiro Gouveia sentara-se na
sua cadeira de vime, no alpendre do chalé, debaixo de uma lâmpada elétrica
forte que iluminava sua figura vestida de branco. Abriu os jornais para ler as
notícias. Eram 21 horas. Por entre as plantas do jardim se esgueiraram três
"cabras" armados de rifle. Apontaram: um tiro pegou num braço, um se
perdeu, o outro feriu Delmiro no coração. Toda a cidade de Pedra acordou. Cem
armas de fogo foram passadas às mãos dos trabalhadores que partiram em todas as
direções, chorando pelas estradas.
No velório desfilaram as operárias das seções de fiação, os mecânicos, os maquinistas, os carregadores, lojistas, caixeiros, crianças, pequenos agricultores, vaqueiros vestidos do couro que chegavam de longe. Era uma espécie de culpa coletiva:- Se facilitava tanto, era porque confiava no seu povo.Ao pé do caixão, um velho trabalhador da seção das cardas repetia:- Atiraram nele para matar a fábrica também.Algumas semanas depois, foram presos, do lado oposto do São Francisco, os pistoleiros José Inácio Pio, João Roseo de Morais e Antônio Felix.
A confissão arrancada debaixo de tortura não tem a menor garantia da verdade.Quem mandou matar? Surgiram várias hipóteses, mas o processo, falho, jamais convenceu a qualquer jurista que o tenha estudado. E não convenceu também ao povo, que sabe perguntar como no Direito Romano - qui podest? - a quem interessa? E a resposta é uma só: ao truste da Machine Cotton, encabeçado por J. P. Coats & Company e tendo como subsidiárias a Clark & Company, a Ross & Duncan e a Companhia Brasileira de linhas para coser, sediada em São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário