domingo, 8 de junho de 2014

Decisão judicial pode sepultar o projeto de derrocamento no Pará

Fonte: Diário do Pará 08/06/2014

O projeto de derrocamento do Pedral do Lourenço, no rio Tocantins, pode estar caindo no mesmo limbo em que jazem na incerteza empreendimentos como a siderúrgica Alpa, o ramal ferroviário da Norte-Sul, entre Açailândia e Barcarena, e o porto do Espadarte, em Curuçá. Obras que, sob os efeitos de estranhos sortilégios, acabam se firmando no imaginário coletivo – dos paraenses, pelo menos – como coisas irrealizáveis. Não foi assim que acabou sepultado, coincidentemente na mesma bacia hidrográfica, o sonho grandioso do Projeto de Desenvolvimento Integrado da Bacia do Araguaia-Tocantins, no início da década de 1980?.
O projeto de derrocamento, num trecho de 43 quilômetros pontilhado de formações rochosas entre Marabá e Tucuruí, já havia sido cancelado uma vez. No início de 2011, um estudo completo realizado pela Faculdade de Engenharia Naval da UFPA, já com licença ambiental expedida pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado, teve sua execução barrada por decisão do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). Na época, o DNIT inabilitou, num processo de inidoneidade, a empresa Triunfo Iesa Infraestrutura S.A., que havia vencido a licitação para realizar a obra.

Estranhamente, apenas quatro meses depois de ser alijada como inidônea, sendo assim impedida de executar no Pará uma obra orçada em R$ 360 milhões, a mesma empresa Trunfo foi habilitada pelo DNIT e ganhou a concorrência do aeroporto de Viracopos, em Campinas, São Paulo, uma obra de R$ 4 bilhões. O que teria provocado mudança tão radical em tão pouco tempo? Esta é uma pergunta que tende a ficar para sempre sem uma resposta lógica ou minimamente convincente.
Curioso é que, decorridos pouco mais de três anos, entre novamente em cena a mesma empresa Triunfo, mas desta vez cumprindo um papel diferente. Foi dela a iniciativa de solicitar à Justiça Federal, por meio de mandado de segurança, a suspensão do processo licitatório. A petição foi protocolada na seção judiciária do Distrito Federal no dia 28 de maio, menos de 48 horas antes do horário previsto para a abertura das propostas. No dia 29, a juíza federal Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves, respondendo pela 3ª Vara, concedeu a liminar. O projeto voltou à estaca zero.
Um dia depois, dando cumprimento ao mandado judicial, o presidente da Comissão de Licitação do DNIT, Romulo Dumont Reinaldo, emitiu despacho decisório de suspensão da licitação. Na ocasião, as informações veiculadas por todas as agências noticiosas davam como praticamente certo o dia 9 de junho como nova data para a abertura das propostas. Ontem, véspera da data antes anunciada, a informação que circulou foi a de que a suspensão é por tempo indeterminado.
Essa mesma informação chegou a profissionais do setor radicados em Belém. Conhecedores do assunto, eles não se mostraram nem um pouco surpresos, em vista do que consideram flagrantes inconsistências do projeto e da forma pouco criteriosa como o DNIT agiu para dar início ao processo licitatório. O mesmo entendimento – para azar dos paraenses que ainda sonham (ou sonhavam) com o projeto – teve a juíza encarregada do caso. As razões expostas pela magistrada para justificar a expedição da liminar que suspendeu a licitação foram simplesmente devastadoras. Do ponto de vista técnico, segundo especialistas consultados pelo DIÁRIO, o DNIT praticamente nada poderá fazer para reverter a decisão.

Exigências do Dnit não seriam executáveis

Três anos depois de haver sido alijada do projeto, a Triunfo foi à forra e obteve, da Justiça, a suspensão do processo licitatório do projeto de derrocamento do Pedral do Lourenço. Na primeira vez, sendo ela a prejudicada, o projeto foi simplesmente cancelado. Agora, fala-se em suspensão da licitação, mas há motivos para acreditar que o desfecho, na verdade, não será muito diferente. A empresa peticionou o pedido na Justiça Federal questionando basicamente dois pontos, e ambos foram integralmente acolhidos pela magistrada.
O primeiro sustenta a inviabilidade da exigência de seguro de obras, assinalando que, em se tratando de derrocamento (escavação do leito do rio), não haveria propriamente uma construção a ser segurada ou garantida contra danos, o que tornaria inviável a emissão dessa espécie de seguro. Quanto ao segundo ponto, alegou a empresa vício constante do instrumento de convocação pela inexistência da previsão de estudos de impacto ambiental e licença ambiental prévia.
No tocante à exigibilidade do seguro, por exemplo, a magistrada foi incisiva. “Tenho que se trate de exigência cujo cumprimento se mostra impossível, como bem admitiu a Federação Nacional de Seguros Gerais. Ora, se não há seguro que contemple cobertura para o objeto a ser licitado, não há necessidade da administração pública que justifique tal exigência, desprovida de razoabilidade e impossível de ser cumprida”, sentenciou.
Mais grave ainda do que a questão do seguro, conforme frisou a juíza Pollyanna Alves, lhe pareceu a inexistência de estudos de impacto ambiental e das licenças ambientais necessárias. Lembrou ela que o objeto da licitação é a contratação integrada para a elaboração de projetos básico e executivo, ações ambientais e, ainda, a execução das obras de derrocamento para a implantação do canal de navegação. Ou seja, disse a juíza, “trata-se de execução de obra que poderá causar degradação ambiental, dependente, portanto, de prévio licenciamento”.
Lembrou ainda que, nesse contexto, os projetos – básico e executivo – poderão, quando das conclusões das análises dos órgãos responsáveis pela emissão das licenças ambientais, sofrer exigências de correção para mitigação dos impactos, a ponto de modificá-los substancialmente, tornando-os muito menores ou, simplesmente, inviáveis pelo gigantismo que a obra possa assumir em tamanho, para que não haja a indesejável degradação.
“Tudo isso, no campo do talvez ou do quem sabe”, afirmou a juíza federal, para arrematar. “Portanto, a contratação integrada, neste momento, dos projetos básico e executivo, com a execução da obra, mostra-se fundamentalmente contrária aos objetivos da licitação pública, mais precisamente o da economicidade e eficiência quando da seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública”.
Para a magistrada, não tem sentido e nem lógica licitar, num único pacote, a elaboração de projetos, os estudos ambientais, a obtenção das licenças e a execução das obras. Até porque, disse ela, deve ser considerada também a possibilidade de os projetos não serem aprovados e de as licenças serem negadas, o que, por sua vez, impediria a execução das obras.

Nenhum comentário:

Postar um comentário