segunda-feira, 28 de março de 2011

Manejo sustentável substitui pesca predatória de crustáceo em comunidades de Gurupá, no Pará

Mais vale um camarão grande nas mãos...
Fonte RTS. Rede deTecnologia Social. 23/03/2011 – Era uma vez um povo que vivia onde o maior rio da Terra encontra o mar, lá nas bandas do Pará. Eles pescavam para comer, e nas águas havia abundância. Até que vieram os de fora e transformaram o camarão em comércio, atividade logo adotada também pelos de dentro. Tanta foi o excesso que o crustáceo foi rareando e reduzindo de tamanho, dificultando a vida de todos que dele dependiam. Um dia, porém, depois de muita briga, o grupo se uniu, passou a respeitar os tempos da natureza e hoje consegue extrair da terra o nela há de melhor.
Contando assim, parece até conto de fadas ou o relato de uma transformação mágica, mas o fato é que a história é real e só ganhou final feliz após muita dedicação, mudança de crenças e cooperação. Ela está detalhada no livro “Manejo Comunitário de Camarão e sua Relação com a Conservação da Floresta no Estuário do Rio Amazonas: sistematização de uma experiência em Gurupá-PA”, lançado dia 22, em Belém.
Tão longo quanto o título foi o caminho percorrido pelos protagonistas desta história, que é um relato revelador dos ganhos que podemos alcançar quando passamos a adotar práticas sustentáveis. Foi assim com moradores de Ilha das Cinzas, em Gurupá, na foz do Rio Amazonas, como mostra a publicação, que é uma parceria do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) com a Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic) e o Instituto Gurupá.
O livro traz o passo a passo de uma mudança iniciada nos idos de 1997, quando um grupo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) chegou à região para pesquisar a gestão dos recursos naturais. Lá encontrou uma comunidade às voltas com o problema da redução da qualidade e da quantidade de crustáceo, principal fonte de renda das famílias. Foi iniciado aí o projeto de manejo de camarão de água doce (Macrobrachium amazonicun), executado pela Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha das Cinzas (Ataic), que já contou com parceiros como a Fundação Banco do Brasil, Petrobras, Governo Federal, Fase e Prefeitura Municipal de Gurupá.
Diante da questão, a Fase sugeriu uma mudança na forma de captura e a estocagem in natura em viveiros flutuantes, para comercialização do período da entressafra. A armadilha usada na pesca, conhecida como matapi, foi adaptada, ganhando uma redução no espaço entre as talas para permitir a passagem dos camarões menores, possibilitando o crescimento natural da espécie – antigamente, pescava-se indiscriminadamente.
Outras ações fizeram parte do projeto de manejo de camarão, como a implantação de unidades de beneficiamento mais adequadas e a comercialização por meio de cooperativa. Com as mudanças, os ganhos começaram a surgir e, em 2006, a comunidade definiu um Acordo de Pesca, por meio do qual ficou estabelecido, por exemplo, que cada família poderia usar, no máximo, 70 matapis.
No mesmo documento, proibiu-se a pesca com redes de lanço e a destruição ou retirada de vegetação que protege as margens dos rios e igarapés, fundamentais para a proteção e reprodução dos camarões. Nas regiões, isso representava um grande problema, já que as comunidades costumavam retirar os açaizais das margens do rio, para facilitar a extração do palmito.
Nascida e criada na região, Josineide Malheiros, a Josi, sócia-fundadora da Ataic, resume um dos princípios do projeto de manejo: “Mais vale capturar um camarão grande do que um punhado de pequenos”. Segundo ela, a iniciativa é um sucesso de desenvolvimento local e prova de que é possível ter ganhos ambientais, sociais e econômicos ao mesmo tempo. “Essas questões não estão dissociadas, mas integradas, contrariando aqueles que não acreditam que isso seja possível”, observa ela, que é integrante do Grupo de Mulheres em Ação da Ilha das Cinzas.
Com o manejo, os pescadores detectaram melhoria nos camarões capturados. Em 1997, o crustáceo tinha, em média, 4,5 centímetros; em 2008, dobrou de tamanho, atingindo 9 centímetros. Com isso, o quilo do produto passou a ser vendido por até R$ 5, quando antes não chegava a R$ 1.
Na área social, os resultados também foram consideráveis. “As melhorias na comunidade são gritantes: organização social, acesso a benefícios oficiais, participação em sindicatos e colônia de pescadores, transporte, comunicação, educação, etc. Vale lembrar que o trabalho com o camarão é um grande pretexto para uma abordagem bem mais ampla nas comunidades”, conta Josi, em entrevista por e-mail, ressaltando que o ganho mais recente do projeto foi a aprovação de quatro planos de manejo para pequenos extratores de madeira de várzea.
Além das 40 famílias inicialmente envolvidas no projeto, agora há outras oito comunidades, segundo Josi. Contando com outros pescadores que passaram a adotar espontaneamente o projeto, cerca de 200 famílias hoje integram o manejo do camarão, considerando apenas o município de Gurupá.
Os pescadores começaram a compreender que, uma vez respeitado o relógio da natureza, todos ganham. A percepção de uma das lideranças da Ilha das Cinzas, o Baixinho, mostra que a comunidade compreendeu, muito bem, quão importante é viver o dia de hoje considerando também o que vamos deixar para as gerações que vão chegar.
“A relação da floresta com o manejo da pesca é que a gente começa a pesca em maio e vai até dezembro. Durante esse período a gente deixa de tirar o palmito, a madeira tira, mas não tanto. Aí quando termina a safra da pesca, já tem palmito graúdo que se pode tirar só de manejo. Aí começa de novo: janeiro, fevereiro, março, até abril. Quer dizer que, nesse tempo, a floresta está crescendo, está reproduzindo”, diz Baixinho, em relato reproduzido do livro.

Por Karine Rodrigues, Jornalista do Portal da RTS



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