segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

A fusão entre clima e biodiversidade

 Fonte: Página 22. Ed.48 Gisele Neuls* e Gustavo Faleiros* 

O Redd avança usando a lógica de compensar o custo de oportunidade do desmatamento. Um dos riscos é favorecer grandes proprietários rurais em detrimento dos pequenos
Em decorrência do formato das decisões tomadas em 1992 na Cúpula da Terra no Rio de Janeiro, a proteção da biodiversidade e o combate ao aquecimento global são temas que não se misturam na agenda das Nações Unidas. No entanto, o desmatamento de florestas tropicais, por ser uma fonte relevante nas emissões de gases de efeito estufa, tem colocado essas duas dimensões da questão ambiental no mesmo tabuleiro. Essa fusão tem sido acelerada pela busca de instrumentos econômicos que permitam conservação da natureza com geração de renda.
O mais conhecido é o Redd-plus, sigla para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (o plus inclui conservação da natureza e reflorestamento). Embora dependa ainda de uma série de decisões a serem tomadas pela ONU, o conceito por trás do instrumento já está estabelecido. O Redd é hoje a proposta mais concreta para se compensar a floresta em pé.
Muitos ambientalistas veem com ressalvas a estratégia de calcular o valor das florestas com o uso do preço de mercado de carbono. O pesquisador de primatas Ian Redmond, por exemplo, tem dito em diversas conferências que as florestas são muito mais do que carbono. “Uma floresta cheia de grandes árvores pode parecer saudável, mas ela estará condenada a morrer se não houver vida sob o dossel, pois são os animais que ajudam a polinizar as plantas.” Por essa razão, nas negociações de Redd que ocorrem na ONU, algumas ONGs têm advogado a inclusão de salvaguardas para proteção da fauna, como a proibição de caça nos projetos aprovados.
Outra grande preocupação diz respeito à corrupção. Há cerca de dois anos, em uma conversa durante a Conferência sobre Mudança Climática, em Poznan, na Polônia, o fundador da organização não governamental Global Witness, Patrick Alley, definiu bem o status do Redd: “É a melhor oportunidade já vista para direcionar recursos para a floresta”, disse. Por outro lado, a possibilidade de que milhões de dólares comecem a fluir para nações em desenvolvimento fez com que ele levantasse questões importantes sobre a capacidade de gerenciar com transparência os projetos florestais. “Estamos falando de países como Brasil e Camboja, que têm longo histórico de corrupção no manejo de suas florestas”, alertou ele, na ocasião.
De acordo com estudo comissionado pelo governo britânico em 2008 a um time liderado pelo empresário Johan Eliasch, uma quantia de US$ 27 bilhões poderia ser investida anualmente até 2020 em esquemas de redução de emissões por desmatamento, dos quais possivelmente um terço seria obtido no mercado de carbono. Esse investimento permitiria cortar pela metade o desmatamento de florestas tropicais ao redor do globo.
Desde a conversa com Patrick Alley, muita coisa aconteceu no desenvolvimento de estratégias da chamada “governança florestal”. ONGs do mundo inteiro começaram a desenvolver metodologia de como um projeto de Redd deve ser implementado para beneficiar comunidades pobres e de fato atingir o objetivo de reduzir as emissões causadas pelo desmatamento. Um dos trabalhos tem sido desenvolvido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e o Instituto Centro de Vida (ICV), em parceria com o World Resources Institute (WRI). Um bom projeto, segundo sua metodologia, necessita respeitar questões como posse de terra, monitoramento e distribuição de recursos.
Talvez o ponto sobre como dividir os benefícios seja o mais delicado. Isso porque existe uma grande chance de que pequenos proprietários de terra não sejam os maiores beneficiários da compensação. Um estudo do Centro Internacional de Pesquisa Florestal (Cifor) feito no Brasil indica que, na Amazônia, o mais provável é que grandes fazendeiros, mesmo os que já vêm desmatando há anos, sejam aqueles com maior potencial de ganhar dinheiro. A explicação está na lógica de compensação do custo de oportunidade que existe no Redd. “Quando 80% de um problema ambiental é causado por grandes proprietários de terra, qualquer solução terá de prover algum tipo de compensação por suas perdas”, explicou o autor principal do estudo, Sven Wunder. Interromper de fato o desmatamento significaria pagar aos seus principais causadores valores semelhantes aos lucros obtidos com a derrubada da mata. O custo de oportunidade na floresta brasileira significa equiparar o valor do carbono em um hectare aos ganhos obtidos com a pecuária ou a soja, a madeira ou outro produto que gere desmatamento.

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