quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Tratado de Cooperação Amazônia e o Século XXI

Bom texto de José Ribamar Mitoso publicado no Portal Amazônia

É hora de nós, Amazônicos, construirmos a Aby-Ayala. Um continente sem fronteiras, terra de muitos povos, todos soberanos, iguais em direitos e solidários entre si. Um continente da fraternidade onde a democracia seja exercitada seguindo o princípio de mandar obedecendo e obedecer mandando. Onde exista um diálogo de saberes e cultura, onde cada povo seja livre para decidir como viver. A vida em harmonia com a natureza é condição fundamental para isto. A terra não nos pertence. Nós pertencemos a ela. A natureza é mãe. Não tem preço. ( Carta de Santarém – Fórum Social Pan-Amazônico – Nov/2010)

Em 3 de julho de 1978, oito países situados na bacia Amazônica assinaram um tratado internacional. Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela assinaram o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA) com objetivos bem definidos: criar um marco jurídico de direito internacional público para viabilizar um pacto político e um bloco econômico entre os países da Pan-Amazônia.

A Guiana Francesa, por ser um Departamento Ultramarino (colônia) da França, não pôde participar do Tratado. Hoje, embora situada na Amazônia continental, está formalmente vinculada à União Europeia.

Deste modo, nestes anos 70, embora vivendo um momento de “regimes de exceção” em quase toda a América Latina e o Caribe, os Estados Nacionais da Pan-Amazônia, mesmo que formalmente, procuraram criar defesas institucionais contra a real ameaça de desnacionalização das riquezas naturais da grande floresta. Mesmo que muitos governos “de exceção” tenham agido a favor da desnacionalização destas riquezas, a ideia de fortalecer a unidade política, para evitar a rapina, teve um grande simbolismo internacional.


O projeto estratégico, segundo o documento, seria promover o desenvolvimento harmonioso e integrado da bacia Amazônica, a plena integração das economias nacionais, a elevação do padrão de vida dos povos, a troca de experiências de desenvolvimento regional e a preservação do meio ambiente. Como instrumentos da construção do bloco econômico, o Tratado previa 1) o fomento ao comércio, 2) a utilização racional dos recursos naturais, 3) a criação de uma infraestrutura de transportes e comunicação, 4) a promoção da pesquisa científica e tecnológica e 5) a preservação de bens culturais. A ideia da integração infraestrutural, industrial, porém, não ficou muito clara.

Em 1995, em Lima, no Peru, os países signatários do TCA resolveram fortalecê-lo institucionalmente e criaram a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA. Em 1998, em Caracas, na Venezuela, esta emenda ao Tratado foi formalmente aprovada, criando a Secretaria Permanente da OTCA, com sede fixa em Brasília.

Em 3 de julho de 2008, o TCA completou trinta anos. Entre as universidades dos oito países e, mesmo entre as universidades da Amazônia Legal brasileira, apenas a Universidade Federal do Amazonas realizou pesquisa sobre as três décadas do Tratado. Neste ano, pelo Departamento de Direito Público da UFAM, coordenei uma investigação analítica sobre o tema.

A pesquisa teve como objetivo realizar um balanço quantitativo e qualitativo dos trinta anos do Tratado. Quantitativo no sentido de fazer um levantamento de todos os Acordos de Cooperação assinados durante as três décadas. Qualitativo no sentido de avaliar se tais Acordos, na pratica, tiveram a eficácia desejada.

Mais de quinhentos acordos foram levantados e avaliados. Separados por áreas, foram classificados como Acordos de comércio, agricultura, comunicação, integração cultural e ciência e tecnologia. Menos de dez, porém, tratavam da questão central. Menos de dez tratavam da integração industrial, produtiva e transformadora das matérias-primas da floresta em bens manufaturados.

Talvez, por isso, e esta foi a hipótese que emergiu da pesquisa, o Tratado de Cooperação Amazônica não construiu um Bloco Econômico Regional. Diferente da União Europeia, da Comunidade Andina e do MERCOSUL, que buscam a integração industrial para torna-se Bloco Regional, o Tratado de Cooperação Amazônica moveu-se no plano da simples integração comercial e técnica.

Neste início do século XXI, quando a Amazônia emerge como a última reserva de água doce e biodiversidade do planeta, a ideia de fortalecer a OTCA para a efetivação de um Bloco Econômico Regional parece mais atual do que nunca. A economia internacional, nesta conjuntura, é a economia dos Blocos Econômicos. Vivemos a era da integração industrial e da reserva de mercado através destes Blocos.

Nossa dependência e fragilidade econômica foi resultado de séculos sem manufaturar matérias-primas da grande floresta. Esta foi a estratégia de quem se desenvolveu explorando nossas riquezas. É estranho, senão suspeito, que o século XIX não tenha construído fábricas de pneu, bola, seringa, sapato e outros produtos derivados do látex. É estranho, e também suspeito, que o século XX não tenha construído uma estrutura industrial para transformar a biodiversidade em remédios, cosméticos, alimentos, móveis, barcos.

Os movimentos sociais da Pan-Amazônia conhecem esta história. Sabem as causas, os efeitos e a saída deste meio milênio de tragédia social. Os movimentos sociais , de modo solidário, estão abertos para o diálogo com os setores interessados em fortalecer a unidade dos povos e o desenvolvimento sustentável da região, respeitando a grande floresta mãe.

É hora de reinventar nossa identidade continental!



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